Pois é, amigos leitores. Estou de volta após uma semana de muitas idas e vindas na vida pessoal. Quem me conhece sabe que o bicho tá pegando!
Faz um bom tempo que penso nesse tema, afinal, He-Man é um dos heróis dos anos 80, um decênio (período de dez anos) que inspira fascínio a todos aqueles que o viveram, mesmo que como crianças, pois foi extremamente conturbado e cheio de eventos marcantes, tanto no mundo como no Brasil, em particular.
Cenário Histórico
Foi fim da Guerra Fria, com a derrubada do Muro de Berlim (durante show das bandas Scorpion e Pink Floyd); Teve a abertura democrática no Brasil, significando o fim da intervenção militar; Foi o momento da Perestroika e da Glassnost de Gorbachov, com a esperança de um novo mundo de paz e cooperação internacional, que seriam jogadas no lixo nos anos 90 com a I Guerra do Golfo, causada pelas provocações mútuas de George Bush Senior e Saddam Hussein (que acabou invadindo o Kuwait, dando pretexto para os americanos invadirem); Foi o tempo em que o rock nacional explodiu em bandas e estilos diferentes, não mais uma pequena turma de amigos, como nos movimentos anteriores de música (vide Bossa Nova e Jovem Guarda), mas um movimento de bandas em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e tudo o mais, graças ao sintetizador. Foram anos especiais, de muita esperança e desilusões. Foi também uma época meio andrógina, do ponto de vista comportamental e estético, em que homens usavam roupas coladas e cabelos compridos e mulheres cortavam seus cabelos e usavam calças.
A Grande Sacada de Marketing da Mattel
No espírito andrógino da época, a grande fábrica de brinquedos Mattel (a mesma da Barbie), teve uma sacada genial: por que só meninas brincavam com bonecas? Por que não aumentar em potencialmente 100% o mercado fazendo “bonecos” para os meninos? Bem, o primeiro desafio era o nome, pois em inglês não há inflexão de gênero para os substantivos, logo, bonecas e bonecos levariam o mesmo nome “dolls” e nenhum menino iria querer brincar com “bonecas”. Então, chamaram os bonecos de “action figures” (figuras de ação – em tradução livre). O próximo passo para “masculinizar” o brinquedo era um nome, daí veio o absurdamente inseguro título de He-Man (ou Machão, em outra tradução livre – por sinal, faço traduções profissionalmente, para quem precisar).
Copiando Conan
Logo após, os designers da empresa foram atrás de heróis que suassem testosterona como uma Fontana di Trevi jorra água ininterruptamente. Nos quadrinhos, encontraram Conan o Bárbaro, que fazia muito sucesso entre o público infanto-juvenil desde 1932, quando foi criado como reencarnação do Kull of Atlantis, outro bárbaro do mesmo autor, Robert E. Howard. Inclusive, He-Man foi lançado em 1983, logo após o filme Blockbuster de Holywood “Conan, o Bárbaro” estrelando ninguém menos que o atual governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger (Conan deu origem a pelo menos dois bárbaros concorrentes nos anos 1980 – He-man e o mais machinho Thundarr, o Bárbaro). O problema é que Conan era um bárbaro muito barra pesada. Ele matava, roubava, pilhava, pegava as mulheres de seus adversários, etc. Comportamento padrão de bárbaro. A Mattel precisava de um bárbaro mais fofinho, mais gentil, menos… …bárbaro. Então, juntaram as referências culturais dos filmes mais recentes, misturaram com Conan e bichisse da Barbie, jogaram umas plumas, paetês e purpurinas, somaram Tolkiem, George Lucas, Battlestar Galáctica, Buck Rogers no Século XXV e outros mais e bateram tudo no liquidificador cor-de-rosa do refeitório da Mattel e saiu “He-Man e os Mestres do Universo” (He-Man and the Masters of the Universe). Foi também, antes mesmo de TransFormers, a primeira franquia de brinquedos a ter desenho animado na tv.
Por Que Eu Acho Que He-Man Parecia Gay?
Bem, primeiro porque o príncipe Adam, alter ego do He-Man, só usava uma camisetinha branca baby look, um coletinho rosa (também baby look) com uma calça fuzô violeta com botinhas roxas de pelinho e uma tanguinha roxa para arrematar.
Só aí a acusação já ganhava a causa. Mas é pior. Ele empunhava a Espada do Poder (símbolo fálico) e gritava histericamente a plenos pulmões “Pelos poderes de Greyskull!”, o que o fazia virar um bárbaro negão saradão e bronzeado usando só sunga, botas e suspensório, que saía cavalgando num tigre (alguém lembrou de Siegfried and Roy?)
e salvava sempre a Teela, uma gata de maiô que dava mole para ele mas quem ele nunca pegava!
A mentora espiritual de He-Man era Teela-Na, ou A Feiticeira (The Sorceress) uma gostosinha que vivia fantasiada de falcão, como Clóvis Bornay em noite de carnaval no Municipal do Rio. Ah, ela era mãe da Teela, também. Virava um falcão (de nome Zoar) e voava nos céus de Etérnia.
Se isso não fosse viadagem o suficiente, quando a Mattel viu o sucesso que He-Man proporcionou, não demorou em lançar uma personagem voltada ao público feminino, uma heroína com super poderes. Os designers arrancaram as roupas de uma Barbie qualquer, fizeram um modelito que mais mostrava do que ocultava, puseram uma tiara, um cavalo mágico, e lançaram She-Ra! (uma outra expressão inglesa que pode ser traduzida para “A Poderosa”, na gíria brasileira atual). She-Ra era a Barbie anabolisada, com pernas infinitas, seios impossíveis, cabelão loiro até a cintura e a mesma espada do He-Man, só com um strass no meio. Molecada sentia um negócio estranho acontecer quando ela entrava em cena. Durou 93 episódios.
Mas, essa estética gay era intencional?
Eu acho que um pouco, mas não totalmente. Acompanhem meu raciocínio:
Desde que os super-heróis foram criados, como releituras dos arquétipos heróis greco-romanos e judaico-cristãos (Hércules, Sansão, Apolo, Zeus, Aquiles, entre outros), que eles usam o modelito malha-colada-com-cueca-por-cima-da-calça-e-bota-colorida. Isso se deve a pura falta de talento dos criadores dos quadrinhos. Sério, não é sacanagem. Acontece que os primeiros desenhistas de quadrinhos não eram artistas profissionais, eram jornalistas ou caras que trabalhavam nos jornais da época e que começaram de maneira amadora a desenhar nas tirinhas de seus jornais. Eles não tinham formação artística e usavam revistas com fotos de atletas e fisiculturistas, homens e mulheres, para desenhar os corpos musculosos por cima (notem as poses estranhas que os super-heróis costumavam assumir. Elas são poses de exibição em fisiculturismo, ou posturas de ginastas).
Eles não faziam roupas, só pintavam o corpo seminu do personagem (geralmente só tinham uma sunga ou maiô) com uma cor qualquer e faziam um risquinho nos pulsos para dizer que era onde a malha acabava, pintavam a sunga de uma cor diferente (daí a cueca por cima das calças), metiam um cintinho (podia ser estético ou utilitário, como o bat-cinto de utilidades) e faziam uma terminação de botas nas canelas (note que as botas dos super-heróis originais se pareciam mais com meias, nem solado tinham). Embora artistas de talento já tivessem assumido os quadrinhos e desenhos animados fazia bastante tempo nos anos 80, a estética de roupa coladinha já se tinha consagrado. E o resto é história.
Tem também razões econômicas… …Assim como recauchutaram uma Barbie para fazer a She-Ra, a Mattel usou basicamente as mesmas peças para fazer os corpos de todos os personagens masculinos do He-Man. Notem bem, é o mesmo corpo, o mesmo fisiculturista como modelo! Então, para cortar custos (os moldes para moldar as peças são caríssimos. Tem modelos que são prototipados mas nunca lançados simplesmente porque o valor de certos moldes tornaria os brinquedos muito caros para o mercado), as partes dos bonecos eram intercambiáveis, geralmente só mudava a cabeça e acessórios, a roupa dos personagens era principalmente pintura, sunga e botas. Eles estavam basicamente nus. E, sem que percebessem (ou sem que se importassem), seguindo a estética andrógina da época, os bonecos do He-Man saíram meio esquisitões.
Mas os episódios não tinham um tom politicamente correto, de bem-sempre-vence-o-mal, com lições de moral depois? Como isso se encaixa na sua teoria?
Vejam bem, leitores e leitoras: eu estou acusando um desvio estético, influenciado pela época, provavelmente não-intencional, que fez com que os personagens, aos olhos das pessoas de hoje, parecessem meio estranhos. Não estou criticando o conteúdo do seriado (por sinal, ótimo!).
Realmente, os episódios eram muito bons, misturando ficção científica, um cenário com toques políticos feudais, raças diferentes ocupando o mesmo mundo, mensagens de paz e harmonia, uma preocupação moral bastante acentuada, com programas que falavam de drogas, outros de trapaças e corrupção, traição, etc. Sem falar na direção de arte! Nossa lembrança aqui no Brasil é desbotada, pela distância na memória e pelos péssimos aparelhos de tv e qualidade de sinal disponíveis naquela época. Vistos hoje, notamos a preocupação com paleta de cores rica e variada, abusando dos tons sombrios para os lugares “dark” e os vilões de Etérnia, e com muitos tons de vermelho, azul, rosa e outras cores “up” para os lugares “do bem”. A música é um capítulo à parte, bem composta, em fanfarra, estilo John Williams, novamente mostrando as influências nos filmes da saga Guerra nas Estrelas (Star Wars).
A Estória:
Cito aqui a linha original dos anos 80, não o remake de 2002 (bom, embora muito Dragon Ball Z pro meu gosto). Era uma vez o distante e pacífico planeta de Etérnia. Segundo o episódio 073, “The origin of the Sorceress” (A origem da Feiticeira), a jovem Teela-Na se tornou A Feiticeira após vagar pelo deserto em busca do Castelo De Greyskull (Caveira-Cinza) para receber poderes capazes de derrotar um poderoso e maligno mago e uma força invasora alienígena por ele atraída (a Horda – os inimigos de She-Ra). Em outros episódios, fica evidente que ela estava grávida de um jovem soldado, que parece ser o Mentor (Man of Arms), dando luz a Tee-La (capitã da guarda do palácio real onde o príncipe Adam mora com seus pais, o rei Randor e a rainha Marlena, uma astronauta da Terra que caiu em Etérnia). O bebê é deixado a cargo de Mentor, o inventor residente da corte, por Zoar, a forma falcão da Feiticeira. Acontece que o Castelo de Greyskull é guardião dos maiores poderes místicos e tecnológicos do cosmos, e vários vilões das estrelas querem se apoderar de tais segredos. Um desses vilões é Esqueleto (Skeletor), um agente da Horda que resolve ficar em Etérnia mesmo após aquela ter sido expulsa pela Feiticeira, e evoca uma equipe de mercenários intergalácticos para ajudá-lo na missão de apoderar-se do palácio. Então, a Feiticeira entrega uma Espada do Poder, um conduíte de todas as forças de Greyskull, ao príncipe Adam, e ele a usa para se tornar He-Man, o homem mais poderoso do universo! Junto com seus amigos (Tee-la, Mentor (Man of Armas), Gato Guerreiro (Battle Cat), Gorpo (Orpo)), He-Man tem várias aventuras no planeta místico e futurista de Etérnia, protegendo seu futuro reino das ameaças do mal (sempre de tanga de couro e suspensórios).
Conclusão
He-Man é ficção científica de qualidade, apesar de algumas coisas terem ficado mal-explicadas nos 130 episódios que durou. Embalou uma geração de moleques e já vai para a segunda, com suas aventuras e histórias repletas de lições de moral. É possível que a estética gay dos personagens tenha influenciado não só alguns dos telespectadorezinhos, mas mesmo os desenhistas posteriores, já que a viadagem correu solta depois da série, influenciando outros personagens como os Thundercats (onde a única fêmea, Cheetara, tinha que se virar com sua vara telescópica);
Ou mesmo o maior herói gay de todos os tempos, Capitão Planeta (Captain Planet and the Planeteers – tinha até as cores do arco-íris na “roupa” – o arco-íris é o símbolo da comunidade gay).
Ainda vou fazer um post sobre a feminilização do mundo e suas conseqüências na cultura pop. Mas por hoje, é só. Abraços e até a próxima.
Curiosidades:
– He-Man teve 3 encarnações na TV e 2 no cinema. A original (He-Man and The Masters of The Universe – 1983); o primeiro remake (The New Adventures Of He-Man – 1990); o filme de animação “O Segredo Da Espada” (The Secret of the Sword – 1985); o filme com atores reais (The Masters of The Universe – 1987), com Dolph Lundgren de protagonista; e o último remake em desenho, lançado pelo Cartoon Network em 2002 (He-Man and The Masters of The Universe – durou 2 temporadas);
– Courtney Cox, a futura Mônica, de Friends, atua no filme de 1987 como a adolescente Julie Winston;
– Joseph Michael Straczynzki, o futuro criador da série “cult” de ficção científica “Babylon 5”, dirigiu 9 episódios da série original de He-Man;
– A tônica moralista e homo-erótica de He-Man sempre me pareceu coisa de Republicano norte-americano. Batata! Um dos diretores da série se tornou deputado estadual na Florida pelo Partido Republicano (GOP) – Ron Schultz.
– Há um filme de He-Man no forno. Sob o título provisório de Greyskull, pode ser lançado em 2011. De Silver Pictures, uma das subsidiárias da Warner Brothers. Leia o Script aqui.
Acho interessante o fato de que, resumindo todo universo homossexual, sempre inflado por interesses comerciais, à sua essência, temos simplesmente pessoas que se envolvem em relacionamentos românticos e sexuais com pessoas do mesmo sexo.
Quando eu assistia He-man, e adorava, relacionamentos sexuais não me passavam pela cabeça, e os românticos, nos episódios, tinham sempre caráter heterossexual, super leve aliás, pois acho que a única paixão consumada era a do rei pela rainha terráquea.
Acho também que, muitas características que associamos hoje ao homossexualismo, na verdade são coisas muito boas, que estão fazendo falta no mundo, e que as crianças (que não estão nem aí para isso) admiram, como a delicadeza, a candura, a polidez e a graciosidade. Isso mesmo! Nos anos 30, um jogador de futebol gracioso era aquele que fazia belíssimas jogadas.
Ou seja, acho que essas influências só podem ser detectadas quando vistas pela perspectiva homossexual ampliada, ou seja, pela cultura pop gay, mais nada. Aliás, acho que foi isso que você disse…
É bem nessa, Kerber. O desvio estético acusado tem a ver com a cúpula dominante da Mattel no momento do lançamento. para eles, não era nada demais. Não estou descartando tampouco alguma picardia, como alguns desenhistas americanos fizeram nos anos 80 e 90 em algumas animações (vai virar post – como a torre de castelo em forma de pênis na “Pequena Sereia” e na “Jessica Rabbit” sem calcinha num frame do Uma Cilada Para Roger Rabbit).
Quando um grupo de uma certa orientação ideológica assume o entretenimento, acabam ocorrendo derrapadas para um lado, como o exposto neste post, ou do outro, como o extremamente racista brinquedo “Forte Apache”. Garanto que os idealizadores do último, brancos e republicanos, com certeza, também não viram nada de errado com sua criatura.
Esse negócio do forte Apache ser um brinquedo racista é fato, mas o resto do papo é muito complexo, eu só sei que eu não acho legal esse papo de He-man gay e de She-ra virar símbolo das drag queens. Entendam, a questão não é de preconceito, mas de inocência, de nostalgia. Nos anos 80, quando eu assitia os desenhos, não pensava nesse tipo de coisa. Pra mim o príncipe Adam um dia ia ficar com a Teela, She-ra era uma valquíria linda e ponto final. O mundo parecia mais simples.
Jim, concordo com você sobre a inocência do telespectador infantil. Eu era um. Mas o argumento do post é que QUEM CRIAVA os personagens e os episódios, não era inocente.
Mesmo que inconscientemente, o que nós somos afeta nosso trabalho. E os designers da Mattel devem ser gays (não só por serem designers, mas também por serem designers da Barbie). E essa influência é visível na roupinha rosa do Adam.
eu queria saber se ha algum episodio em que he-man desiste dos poderes, por que e como fica essa historia
se ele recupera ou perde pra sempre
pq ele perdendo a espada nao tem mais motivo pra continuar.
Olha, Isabela, quanto a perder os poderes, não lembro de nenhum; mas tem um episódio no qual ele perde a espada, e fica preso na forma de He-Man, sem poder voltar a Adam.
Abraços e obrigado pela audiência!
Minhas suspeitas se confirmaram após ler seus comentários. o pior é que eu fiz parte da turma que curtia He-Man e era louco pela She-ra. A roupinha do Adam era um queima-filme (ou queima outra coisa). as lições de moral eram chatas, 3% da galera que assistia aos desenhos ficava pra ouvir aquele besteirol. O pior era aquele personagem da She-rá que aparecia só no final e queria que alguém soubesse onde ele estava durante o desenho.
Oi, Raimundo. As lições de moral foram frutos da época moralista em que o governo americano se encontrava, com o super-moralista republicano Ronald Reagan como presidente. Esse período foi marcado por campanhas contra a violência na tv e os desenhos se preocupavam em parecer “educativos” aos olhos dos pais preocupados. Vários outros desenhos tinham essa “lição de moral” no fim, como Thundercats e GI-Joe.