Caros leitores e leitoras:
Em alguns posts anteriores, disse a vocês de minha paixão por ficção científica e comédia. Considero que esses dois gêneros são os mais livres para abordar temas espinhosos, que ninguém mais tem coragem ou estômago para fazê-lo, justamente porque a maior parte do público de cinema não os leva a sério (sempre foi assim com a comédia; os bobos da côrte sempre disseram para o rei e seus lacaios as verdades que ninguém ousava dizer).
Neste espírito, deixe-me recomendar alguns filmes de ficção científica para vocês e falar um pouco sobre seus significados profundos.
1 – Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb; 1964 – Diretor: Stanley Kubrick – título em português: Dr. Fantástico.
Este filme é MARAVILHOSO! Sério. Ele espanta o espectador casual, por ser em preto e branco e só se passar em tomadas de estúdio, quase nada de externas, ou seja, só há diálogo entre personagens (e, principalmente entre o grande Peter Sellers, que faz três personagens, o personagem título (Dr. Strangelove), um nazista capturado após a segunda guerra que serve no Estado Maior norte americano (uma referência nada sutil a Werner Von Braun, inventor dos mísseis V1 e V2, origem do programa espacial norte americano), o presidente Amrtin Muffley e o Capitão de Grupo Lionel Mandrake, que despiroca e começa uma guerra nuclear.
Este filme trata da sede pela guerra, o militarismo crescente que envolvia USA e União Soviética em um conflito não declarado que durou 50 anos, a Guerra Fria, e a ameaça de aniquilação total do mundo que isso trazia.
O enredo é simples: Um Capitão veterano da II Guerra vai ser substituído do comando de sua base e, num ato de loucura, declara guerra unilateralmente à União Soviética, trancando a base, impedindo comunicação com o mundo exterior e avisando a um de seus bombardeiros (na época, loucura total, havia uma esquadrilha de bombardeiros atômicos B52 americanos sobrevoando as fronteiras soviéticas, prontos para soltar suas bombas nos alvos designados se uma guerra fosse declarada) que procedesse com o bombardeio de Moscou. Durante todo o filme, os personagens na sala de guerra do Pentágono ficam discutindo as (reais) dificuldades de se parar um ataque depois de começado e, concluindo a impossibilidade de evitar a guerra que devastará o mundo, passam a planejar o novo mundo que construirão depois que saírem do seu bunker. No trecho abaixo, o nazista Dr. Strangelove está explicando ao estado maior e ao presidente, as dificuldades de adaptação ao novo mundo, como o fato de que, infelizmente, o casamento monogâmico terá que ser extinto para os homens, porque haverá cerca de dez mulheres para cada homem (já que os exércitos aniquilados serão predominantemente masculinos) e que caberá aos sobreviventes repopular o mundo. O nazista explica ainda que com a automatização de processos e o fim dos pobres e desabrigados, os EUA poderão retornar ao seu PIB atual em cerca de 20 anos. Tudo muito sinistro, com o detalhe do braço do nazista sempre querer levantar em saudação a Hitler e o próprio personagem, aleijado numa cadeira de rodas (representando o Nazi-Fascismo aleijado, mas não morto), volta a andar com o desenrolar dos eventos sinistros (outra metáfora, a ascensão do fascismo no seio da pátria da liberdade):
2 – 2001, A Space Odyssey; 1968; Diretor: Stanley Cubrick – Título em português: 2001, uma odisséia no espaço.
Esse filme é bom, mas é muito chato! Antes que os fans me crucifiquem, vamos lá: o filme começa, sem nenhuma narrativa ou texto explicativo decente, com um bando de primatas vivendo suas vidas de sub-humanos como animais sem nenhuma distinção dos outros seres vivos.
Até que aparece, do nada, uma puta lajota de granito preto retangular no meio da savana e um macacão mais ousado toca nela.
Ele leva um choquinho e começa a ficar mais esperto, usa um fêmur de animal como arma para caçar, barbarizar seus colegas macacos estabelecendo dominância e, por fim, arrebentar a cabeça dos macacos do grupo rival. Mensagem pacifista. Seria muito legal, se não fosse uma cena monótona de mais de 20 minutos. No fim, o macacão goza de prazer por ser o rei da montanha e joga o osso para cima, que a câmera acompanha e, num corte seco, se transforma em uma estação espacial orbitando a terra. Pronto, estamos em 2001, o que na época do filme era o futuro distante. O filme é muito, mas muito difícil de acompanhar sem dormir, ou mais ainda, de entender. Acho que, pra entender direito, precisa de um ácido ou uma erva. Já que eu não sou adepto de nenhum dos dois, tomei um whisky, li tudo o que pude, inclusive o ótimo livro continuação 3001, vi a seqüência 2010 e, depois de assistir ao filme umas 6 vezes, entendi.
A estória por trás do roteiro:
O filme fala que os senhores de nosso sistema solar são uma raça de alienígenas avançadíssimos (que nunca vemos) cuja tecnologia é tão absurda que eles são como deuses para nós. Eles construíram, então esses blocos de granito (chamados de “Monólitos” no filme) que são supercomputadores/robôs que vigiam os sistemas solares capazes de abrigar vida, conduzindo o desenvolvimento dessas formas de vida com interferências pontuais ao longo do desenvolvimento da evolução. O filme mostra esse momento a milhões de anos e depois, em 2001, quando o monólito é reencontrado na lua, como que observando a humanidade. Então aparece um monólito gigante na órbita de Júpiter e uma missão americana que estava indo para lá tem sua rotina alterada quando o computador da nave, o muito sinistro HAL 9000 (é uma referência à IBM, pois antes de I, vem H, antes de B vem A e, isso mesmo, antes de L vem M!) recebe as conflitantes ordens de investigar o monólito mantendo tudo em segredo dos astronautas. Quando a tarefa se torna impossível, HAL vira um maníaco homicida atacando a tripulação até que o último astronauta, David Bowman, fugindo da nave, é absorvido pelo monólito gigante e sua personalidade se torna, para sempre, parte do supercomputador alienígena (não sem antes uma viagem psicodélica na qual ele vê a si mesmo morrendo de velhice na cama de sua casa). É muita viagem, mas indispensável para entender os rumos da ficção, a estética (os efeitos do filme, principalmente as naves, são muito atuais) e a proposição maior do filme: “Não há deuses, apenas seres muito evoluídos que se parecem com deuses”. É uma resposta contemporânea ao nosso anseio por descobrir nossas origens, ao mesmo tempo em que mantém um elemento místico, que vem a substituir as explicações místico-religiosas tradicionais, em franca crise frente ao recrudescimento da racionalidade científica no século XX.
3 – The Empire Strikes Back – 1980. Diretor: Irvin Kershner; Título em português: O Império Contra Ataca.
Ok. Se você for assistir a só um filme da série Star Wars, que seja esse. Esqueça aqueles comerciais de brinquedo que o George Lucas fez e chamou de Episódio I, II e III. OS bons são os da série clássica.
Esse filme é o melhor da série porque a história fica séria aqui (existe a traição de Lando Calrissian, Han Solo é capturado por Bobba Fett e congelado em carbonite, e, o mais importante, Darth Vader revela a Luke Skywalker que é seu pai (isso, logo após ter-lhe decepado a mão com seu sabre de luz, mas qual a família que não tem problemas?)!
A filosofia fica por conta dos ensinamentos da força transmitidos a Luke por Yoda, um grande (“Grande, a guerra ninguém torna”) mestre Jedi, no lamacento planeta Dagobah. Luke aprende que sacar sua arma rápido demais será sua ruína; que a não violência pode ser um caminho difícil, demorado, mas mais poderoso para alcançar o bem; que o caminho que leva à perdição é largo, e o da salvação é estreito e desagradável; que seu maior inimigo é ele mesmo, e outras platitudes (que não deixam de ser verdadeiras) pacifistas.
O filme é uma aula de como fazer ficção científica de aventura, divertido, emocionante, com certa profundidade e cativante. Talvez seja por isso que o George Lucas ficou com ciúmes e não deixou ninguém dirigir os 3 prequels.
4 – Robocop – 1987; Diretor: Paul Verhoeven; Título em Português: Robocop, o Policial do Futuro.
Esse filme é dos meus preferidos. O mote é que, no início do século XXI, o governo vai perdendo sua capacidade de administrar o caos urbano na cidade de Detroit, e a gerência da polícia é privatizada para uma megacorporação, OCP, que quer automatizar a polícia, substituindo o policial humano, por um robótico.
O cenário do filme é uma Detroit depauperada, suja, violenta, em um mundo caótico e onde o capitalismo desenfreado levou a sociedade e um nível de desumanização inédito. O policial idealista Alex Murphy é ferido mortalmente em serviço (numa das cenas mais revoltantes na história do cinema, na qual o personagem é esquartejado a tiros de espingarda, revólver e metralhadoras) e seu corpo é utilizado para criar o organismo cibernético Robocop.
É MUITO BOM! Desde o cenário de caos econômico (lhe parece familiar?) ao absurdo do marketing, visto nas propagandas que passam durante o filme, para ilustrar a estória, fazendo um creme de petróleo que bloqueia os raios solares parecer sensual, ou um dispositivo de segurança de automóvel que eletrocuta ladrões (esse é do Robocop 2) parecer a coisa mais natural do mundo, Paul, com sua ultraviolência que inspirou Tarantino, nos choca com um possível futuro (para os espectadores originais) nada animador, embora repleto de verdades (quando vi, nos idos de 2000, um lança chamas para carros sendo lançado na África do Sul, como dispositivo de segurança, com a modelo belamente sentada dentro de sua BMW enquanto o manequim negro armado de AK47 ardia do lado de fora, eu me lembrei na hora do surrealismo de Robocop). O filme ainda tem várias sub-histórias, como a guerra corporativa entre os executivos da companhia (um, o vice presidente que lança o ED-209 como policial cibernético, outro, o cabelinho-lambido que inventou o RObocop), além da busca de Alex Murphy por sua vida passada, e vingança contra os bandidos que o “mataram”.
Vale muito a pena, ainda que alguns efeitos estejam bem datados, tome uma cerveja (ou whisky) e curta sem moderação.
Eu vou deixando este post por aqui, porque tenho vários filmes para comentar e recomendar, e ainda tenho trabalho a fazer. Mas aguarde a parte 2, deste artigo, em que recomendarei mais filmes muito legais! Então abraços e até mais!
Quero a parte 2.